Nós, seres humanos, somos dilacerados por um conflito fundamental - nossa propensão profundamente enraizada a mentir para nós mesmos e para os outros, e o desejo de nos considerarmos pessoas boas e honestas.
A complexidade da desonestidade humana é inerente a todos nós. Mas que forças nos motivam a ser mais desonestos ou mais honestos?
Esta é a tese central do livro, que através de vários experimentos comportamentais, o autor tenta descobrir como as pessoas tomam decisões sobre desonestidade e trapaça.
Seu primeiro passo foi tentar perceber se a desonestidade assenta numa análise de custo-benefício, ou seja, na análise de possíveis resultados positivos e negativos ao cometer desonestidade.
Para isso, ele faz vários experimentos com universitários utilizando o Modelo Simples de Crime Racional (SMORC). Basicamente, no modelo SMORC a estrutura da desonestidade é composta por três elementos básicos:
Os benefícios que se pode obter com a trapaça;
A probabilidade de ser pego;
A punição esperada se alguém for pego.
No entanto, nestes testes ficou provado que o nível de desonestidade não é influenciado pelo tamanho do benefício nem pela probabilidade de ser pego, o que sugere que as forças que regem a desonestidade são muito mais complexas do que o previsto por esse modelo.
Na realidade, durante os estudos ele descobre que nosso comportamento é movido por duas motivações opostas que tentam se manter em equilíbrio: queremos nos ver como pessoas boas e honestas ao mesmo tempo em que queremos sair ganhando trapaceando.
Esse ato de equilíbrio é o processo de racionalização que ele chama de "Teoria do Fator de Correção".
Por um lado, queremos nos ver como pessoas honestas e honradas. Queremos ser capazes de nos olhar no espelho e nos sentir bem como nós mesmos. Por outro lado, queremos nos beneficiar da trapaça e obter o máximo de recompensa possível. Claramente, essas duas motivações estão em conflito.
Para você entender o que é a Teoria do Fator de Correção, pense na sua declaração de imposto de renda. Você realmente informa todas as suas despesas no IR ou há algumas "pequenas" coisas que você não inclui e basicamente essa omissão não afeta seu senso de moralidade?
Esse é o equilíbrio que nós buscamos.
A Teoria do Fator de Correção explica que todos nós temos um limite aceitável de quanto podemos trapacear antes que isso se torne absolutamente um "pecado" para nossa própria auto-imagem. O que significa que a maioria das pessoas trapaceia apenas o suficiente para se sentir bem consigo mesma.
Para entender melhor esse fenômeno, Ariely faz outros experimentos e descobre algumas características sobre a desonestidade:
As pessoas são mais propensas a roubar objetos não monetários – como um lápis ou a Coca-Cola de alguém na geladeira – e representações de dinheiro – como tokens ou dinheiro virtual – do que dinheiro real.
Usar produtos falsificados – como roupas, downloads ilegais, diplomas acadêmicos – tende a nos tornar mais desonestos.
Os seres humanos adoram enganar a si mesmos. Por exemplo, no trabalho ou na escola, as pessoas recebem ajuda de outras pessoas e se convencem de que seu bom desempenho é um reflexo de sua verdadeira capacidade. Com a prática de enganar a si mesmo, você engana qualquer outra pessoa.
Quando as regras são abertas à interpretação, ou seja, quando as pessoas não têm regras definidas, elas podem ser armadilhas para a desonestidade.
Cuidado com os conflitos de interesse! Quando alguém ou alguma instituição nos oferece um "favor", psicologicamente nos tornamos parciais em relação a qualquer coisa relacionada à parte doadora — e a magnitude desse viés aumenta conforme a magnitude do valor inicial.
Com o ego cansado, temos menos controle sobre nosso comportamento. Em outras palavras, se você desgastar sua força de vontade, terá consideravelmente mais dificuldade em controlar seus desejos, e essa dificuldade também pode desgastar sua honestidade. O esgotamento do ego ajuda a explicar por que nossas noites são particularmente preenchidas com tentativas fracassadas de autocontrole de nossos desejos após um longo dia de trabalho duro.
Existe uma ligação entre criatividade e desonestidade: os experimentos sugerem que a criatividade é uma força orientadora quando se trata de trapacear, pois a criatividade aumenta nossa capacidade de resolver problemas difíceis, além de nos permitir desenvolver maneiras originais de contornar as regras, ao mesmo tempo em que permite reinterpretar egoisticamente as informações.
A desonestidade é contagiosa e pode ser agravada pela observação do mau comportamento dos outros ao nosso redor. Especificamente, parece que as forças sociais ao nosso redor funcionam de duas maneiras diferentes: quando o trapaceiro faz parte do nosso grupo social, nos identificamos com essa pessoa e, como consequência, sentimos que trapacear é mais aceitável socialmente. Mas quando a pessoa que trapaceia é um estranho, nos tornamos mais éticos pelo desejo de nos distanciar dessa pessoa imoral.
O vírus da imoralidade pode ser observado na política. À medida que o "vírus" se espalha de uma pessoa para a outra, um código de conduta menos ético se desenvolve. E embora seja sutil e gradual, o resultado pode ser desastroso.
O altruísmo tende a aumentar a trapaça. As pessoas estão mais dispostas a trapacear para ajudar alguém do que para si mesmas.
Códigos Morais
Com todos esses resultados, o que devemos fazer para que as pessoas sejam mais honestas?
Primeiro devemos reconhecer que a desonestidade é amplamente motivada pelo fator de correção de uma pessoa e não pelo nível de custo-benefício.
Portanto, o fator de correção sugere que, se quisermos reduzir a desonestidade, precisamos encontrar uma maneira de mudar a maneira como racionalizamos nossas ações. E uma das soluções possíveis é nossa consciência dos códigos morais.
Nos experimentos, o autor percebeu que nossa memória e a consciência de códigos morais têm um efeito sobre como nós vemos nosso próprio comportamento. Por exemplo, em um dos testes ele pediu que os participantes assinassem que estavam cientes dos códigos morais antes de dar-lhes a chance de trapacear. Os participantes que não foram solicitados a assinar trapacearam, mas os participantes que assinaram esta declaração não trapacearam.
Eles fizeram outros testes apenas com lembretes, sem fazer as pessoas assinarem nada, e descobriram que apenas lembrar os padrões morais era suficiente para melhorar o comportamento moral. Esse experimento demonstrou como pequenos lembretes são eficazes para ajudar a manter nossos padrões éticos, sugerindo que pode ser sensato incorporar lembretes morais em situações que nos tentam a ser desonestos.
Por fim, o autor faz uma comparação clara entre lembretes morais e lembretes religiosos — como os dez mandamentos. Ele explica como a religião tenta influenciar nossa mentalidade no momento da tentação da imoralidade, incorporando diferentes lembretes morais em nosso ambiente. Basicamente, a ideia central desses lembretes religiosos é lidar diretamente com o momento antes de trapacearmos (criando uma educação moral) e o momento em que temos a oportunidade de trapacear (criando lembretes que nos fazem sentir culpados). O entendimento básico religioso é que, se quisermos conter a desonestidade, precisamos calibrar nossa bússola moral, em vez de ameaçar punir após o fato.
De certa forma, isso faz sentido.
De acordo com os experimentos de Ariely, manter os padrões morais em mente é uma técnica que funciona, mas para obter resultados consistentes devemos fazê-lo juntos.
Como sociedade, precisamos descobrir como incutir uma bússola moral em nossos filhos e como manter a nossa própria moralidade. Podemos erradicar o mau comportamento? Provavelmente não, mas certamente podemos fazer melhor do que estamos fazendo agora.